quinta-feira, janeiro 27, 2005

Primeiras e últimas impressões

Muita gente diz, confiando cegamente no ditado bastante popular, que "a primeira impressão é a que fica". Não só discordo como também posso afirmar que são raros os casos em que meu primeiro julgamento sobre uma pessoa, obra de arte etc é o definitivo.

Digo isso porque vou aqui relatar uma das minhas recentes mudanças de opinião, que me marcou bastante pela rapidez que aconteceu, e, principalmente, pelo fato de ela ter sido assim tão extrema. Refiro-me aqui à minha experiência com o filme 'closer' (Perto Demais), do veterano diretor Mike Nichols.

Vi o filme ontem, em uma sessão vespertina, acompanhado de um grupo de bons amigos. Ao final, concordamos todos que se tratava de um filme extremamente 'pesado', de difícil digestão, por assim dizer. Mas de alguma forma, bom.

A verdade é que o meu lado resenhista falou mais alto, e, assim sendo, logo ía eu me juntando à massa de resenhistas de jornal e críticos, que consideraram o filme "uma visão cruel, pungente e desconcertantemente realista sobre os relacionamentos amorosos". Não li nenhuma das críticas até então, mas tenho certeza que a frase entre aspas caberia perfeitamente em muitas delas.

O roteiro de 'closer', uma adaptação de uma peça de teatro bastante aclamada (e premiada), trata de dois casais que seguem trocando traições e mágoas, tudo com o maior cinismo e crueza possíveis. O desfile de feridas abertas que é apresentado realmente é chocante, e foi o que me fez classificar o filme como realista.

Porém mais tarde, refletindo com mais calma e ponderação, é que percebi o quanto fui ludibriado. Um grande problema apresentado por certas obras de arte é a característica de se impor como realidade. É justamente esse caminho que 'closer' tenta explorar da maneira mais maliciosa possível: carregando no clichê do sofrimento exagerado e da auto-degradação, apelando para o repertório traumático do espectador.

Entretanto, eu não teria pensado nisso se o filme tivesse me convencido de sua relevância para a vida real. O que falta a ele não é a já citada crueza, nem coragem para discutir temas delicados. Falta simplesmente humanidade aos personagens: 'closer' parece que foi realizado por construção, composto exclusivamente de diálogos e situações montadas. É teatro, no sentido mais pejorativo da palavra, pois tudo não passa de encenação, de montagem. Em uma das cenas, o marido fala à esposa: "por favor, não vá dizer que eu sou bom demais pra você. Porque isto é uma verdade, mas não a diga". Ora, todos sabemos que pessoas reais não falam assim, mas no filme os diálogos são completamente baseados em frases de efeito.

Como se não bastasse, os diálogos pecam também pela quantidade. O filme é como se fosse uma discussão interminável, o que sem dúvida contribui para a sua artificialidade. Parece-me inclusive irônico que um filme com esse nome tenha dado preferência à assepsia do bla bla bla em detrimento do toque, da expressão da pele, da proximidade inclusive.

Os personagens, então, em muito colaboram com a distância presente em 'closer'. São absurdamente baseados em estereótipos: os homens são primitivos (inclusive sexualmente), competitivos, vingativos; enquanto que as mulheres são bastante mais maduras. Alice, a personagem menos culta e sofisticada, é a que tem um final mais favorável, como não poderia deixar de ser. Além do mais, a construção (ao contrário de criação) dos personagens também levou em conta, claramente, a crença de que a aspereza e o cinismo são marcas inconfundíveis de sofisticação em uma pessoa. O médico dermatologista Larry indica isso perfeitamente. Cruzes! Onde está o amor aos personagens? Eles sequer são interessantes, e também não oferecem nenhuma identificação, pois não é possível sentir pena deles em nenhum momento do filme.

Portanto, trata-se de um filme que tenta se impor como realista usando de um truque sujo. Fazendo um paralelo com o mundo da fotografia, seria o equivalente daquelas imagens de crianças passando fome na África. Por que diabos essas imagens seriam mais realistas do que as de um sultão envolto de luxos em seu palácio? Na verdade, é ainda pior, pois 'closer' tenta nos convencer de que situações claramente encenadas são a realidade, como se escrevêssemos nossas vidas de trás para frente, montando todos os acontecimentos com antecipação. Mas claro, poderia ser ainda pior, pois pelo menos o desfecho não tem aspirações a ser conclusivo.

2 comentários:

Anônimo disse...

Sempre as músicas de que mais gosto não acho tão boas da primeira ou segunda vez que as ouço, mas no caso do filme ao qual vc assistiu penso que vê-lo novamente não mudaria sua opinião porque vc já notou nele certa artificialidade, a crueza sempre faz falta em arte, sem ela não dá realmente para engolir...

Ana disse...

Talvez a sua preferência para um filme da tarde seja o mesmo de muitas emissoras: comédia romântica. Sua trilha sonora, nessas ocasiões, seja algo leve e que te dê um grande sorriso e, principalmente, que o final seja tão programado e repetitivo que não cause nenhum abalo em seu dia. Se for assim, é bem verdade que Closer não iria se adequar. Sinceramente, um filme como esse não merecia uma descrição dessa. MAS, é a sua descrição, e esse é só o meu comentário. Espero que você assista de novo e, aprovando o disse, tenha um julgamento melhor. Abraço.