quarta-feira, abril 27, 2005

Felicidade & outras coisas com F

Felicidade tem a ver com valores, os quais podem inclusive ser monetários, mas raramente são. Esses valores estão presentes nas pequenas coisas da vida. Nas grandes também. Estão presentes no simples ato de andar por aí, sem rumo. Ou ainda, andar com rumo. Eles aparecem até mesmo quando você, por exemplo, descobre que uma pessoa de que gosta bastante escreveu um texto novo no blog, e também na experiência que essa pessoa teve em escrever o texto.

Pois bem. Certamente algo que se diferencia nas pessoas é a sua capacidade de apreciação desses valores. Não pretendo ser simplista a ponto de dizer aqui que isso é o que faz certas pessoas serem felizes e outras não serem, até porque não tenho a menor idéia de quem é feliz e quem não é, nem acredito que felicidade seja algo mensurável, nem mesmo vagamente. Mas, por outro lado, imagino que essa capacidade de apreciação é o que dá à felicidade de cada pessoa um caráter diferente.

Isso explica porque, para mim, dividir com uma pessoa especial o espaço de um guarda-chuva enquanto caminho pelo campus chuvoso ao lado dela é um momento infinitamente mais delicioso e apreciável do que, por exemplo, saborear a mais requintada trufa belga. Tudo isso tem a ver com a modo de apreciar o valor que há nesses momentos.

É evidente que alguns desses valores nós apreciamos mais do que outros, como no exemplo, mas a verdade é que devemos nos concentrar em apreciá-los ou então corremos o risco de estar, de certa maneira, ausentes de momentos que podem ser muito valiosos.

Tomemos o exemplo das crianças: elas têm uma apreciação bastante característica da sua realidade. Certa vez, li que todo esse fascínio com o meio deve-se ao fato de o mundo ser um grande desconhecido das crianças. Isto é, toda a sua maravilha e fantasia origina-se do pouco conhecimento que elas têm. O autor ainda dava-se ao trabalho de "provar" isso com um pequeno experimento mental: temos um bebê e um adulto na platéia de um mágico. O mágico então prossegue com o seu fabuloso truque, fazendo um caminhão desaparecer aos olhos vistos de ambos. O adulto fica maravilhado, pois sabe que caminhões não desaparecem. Enquanto que o bebê nada aprecia da mágica, pois não possui conhecimento suficiente para saber que é algo extraordinário um caminhão desaparecer desse jeito.

Ora, isso tudo é uma imensa bobagem. Em primeiro lugar, é muito possível que o bebê tenha se divertido bastante mais do que o adulto com essa mágica. Mas, independente disso, a verdade é que o bebê jamais teria como ter o pressuposto de que caminhões não desaparecem espontaneamente, o que não se deve ao pouco conhecimento de mundo que ele possui, mas sim ao fato de ele não possuir expedientes de pensamento capazes de estabelecer regras gerais ou relações de causa e efeito. Esses expedientes pertencem ao mundo adulto. Portanto, por mais caminhões que não desaparecem que sejam mostrados a essa criança, ela não irá estabelecer como fato extraordinário o desaparecimento de apenas um.

A verdade é que a apreciação da realidade, para uma criança, é bastante diferente. Mesmo que elas já tenham idade para conhecer muito do que os adultos conhecem, a relação delas com essas coisas é outra. O fato de um garoto saber que seu brinquedo é apenas um boneco de plástico não o impede de viver grandes aventuras com ele. Nesse caso a diferença de conhecimento não existe, mas a apreciação infantil será muito mais intensa e rica. Um simples peso de papel, totalmente sem graça, pode se tornar um porta-aviões, por que não?

Menciono esse exemplo das crianças simplesmente para mostrar que toda apreciação depende da gente agente que aprecia, e não do objeto. Em outras palavras, podemos dizer que a felicidade vem de dentro do ser humano, porque tudo que é externo a ele é de certa forma constante em termos do que pode lhe proporcionar. O que muda é a apreciação de cada indivíduo.

Penso então que devemos encarar as crianças como bons exemplos. Eu sempre entendi a filosofia como algo intrinsecamente ligado à apreciação do mundo e também de nós mesmos. Acredito que a reflexão profunda necessária para a filosofia é algo excelente pois exercita intensamente a nossa capacidade de apreciação e reapreciação das coisas, amplificando as experiências de maneira semelhante ao que faz o mundo da fantasia infantil. Encaro, portanto, a filosofia como uma arte de viver melhor a vida, como um conjunto de boas práticas que nos ajuda a não nos ausentarmos em relação à nossa própria felicidade.

E, como não podia deixar de ser, a fotografia, em minha opinião, quando praticada artisticamente, oferece boas metáforas para a nossa vida. Todo fotógrafo, ou melhor, todo artista da fotografia, não está, ao contrário do que possam pensar a maioria das pessoas, o tempo todo em busca de imagens, pois o mundo constantemente oferece a experiência visual.

A enorme simplicidade da prática da fotografia (geralmente basta apertar um botão) tem o efeito macabro de saturar ainda mais a experiência visual das pessoas. Afinal, com tantas imagens sendo produzidas e divulgadas rapida e amplamente, todos os dias, fica difícil não acontecer o contrário, e evidentemente, um artista não tem interesse em apenas produzir mais imagens, para que elas se percam entre os montes que há.

O artista, então, fica confrontado com um interessante paradoxo: deve produzir imagens sim, mas elas não podem ser apenas imagens, elas devem oferecer algo que permita ao apreciador a transcendência desse caráter imediatista de maneira que ele consiga se comunicar e, melhor ainda, se identificar, com a expressão desejada por esse artista.

Ademais, um bom artista é sempre capaz de fazer isso, independentemente do que ele fotografa e de como ele fotografa ou que equipamento usa. Ele simplesmente é um bom artista porque sua apreciação da realidade, da essência que há nos assuntos fotografados é extraordinária, bem como seu autoconhecimento é fantástico, pois ele sempre sabe o que dar de si a seu público, e como atingir seus objetivos expressivos.

Assim, acredito que viver bem depende mais ou menos das mesmas coisas: a capacidade de apreciar a essência dos acontecimentos, momentos, objetos, cenas, pensamentos e, principalmente, das pessoas ao redor, e também contar sempre com um bom conhecimento de si para saber sempre o que oferecer de realmente valioso e apreciável.

Filosofia, fotografia e felicidade são coisas muito curiosas. Elas só dependem, respectivamente, do filósofo, do fotógrafo e do feliz.

segunda-feira, abril 11, 2005

Let my mind go... out of tune...



Para que seja possível tocar sempre e bem, é preciso sempre prestar atenção à afinação...